terça-feira, 3 de agosto de 2010

Passagens da madrugada

Pá! O barulho alto de algo pesado caindo, e todas as pessoas, aproximadamente uma dúzia, no ônibus se viram para olhar. Às três horas da madrugada é normal encontrar bêbados em qualquer transporte púbico, mas ninguém esperava ver o corpo de um homem adulto no meio do corredor, porque acabara de cair do banco na curva. Alguns segundos de silêncio pra poder entender o que estava acontecendo, e um jovem que estava sentado no banco de trás se levanta pra ajudá-lo, e o homem que estava sentado ao lado do bêbado também se coloca no serviço de devolvê-lo ao lugar. O corpo mole e obediente se aninha feliz, apoiado no corpo do seu companheiro de banco, um homem grande que ocupava mais que a parte do espaço que lhe cabia.
Antes que todos voltem aos seus assuntos normais da viagem, mais alguns segundos sem se olhar pra poder controlar o riso, a desgraça do outro não deveria ser engraçada, mas era. A cada curva o corpo balançava, e todos olhavam, até que perceberam que nada mais ia acontecer e o bêbado deixou de ser o entretenimento. Mas aquela era sua noite, ganhou mais uma vez a atenção quando pegou o celular e começou a falar uma mistura de sílabas, aonde poucas se tornavam palavras. A sorte do alvo da ligação era que provavelmente ele não tinha conseguido discar os números. O celular e a mão viraram o recheio do sanduíche que ele fazia com a cabeça e o ombro e permaneceram assim mesmo depois que ele havia desistido de emitir sons.
De volta as conversas, até o novo: Pá! O riso de descrença veio antes dessa vez. O jovem do banco de trás mais uma vez se levantou para ajudar, assim como outro rapaz de um banco mais afastado. O companheiro do bêbado dessa vez estava dormindo. O novo tombo era mais preocupante, o rosto foi direto no chão. Quando foi levantado era possível perceber a roupa imunda e o rosto machucado. As dores que ele sentiria assim que o álcool deixasse de fazer efeito não faziam nem cócegas no momento. Tentando evitar outra queda os dois rapazes o colocaram no banco do outro lado que estava com os dois lugares vazios. Difícil foi arranjar um lugar pra colocar o celular que havia voado para longe, pois o dono estava incapaz de segurar, por fim acharam um bolso e deixaram ali.
E quem disse que bêbado não sente nada? É um estado no qual o emocional aflora e a pessoa fica extremamente carinhosa/carente. Nem cinco minutos depois que o sujeito foi deixado no banco ele acordou, percebeu a solidão e voltou para compartilhar o banco apertado com o seu companheiro. Para se certificar de que permaneceria ali, entrelaçou o seu braço no dele, e apoiou a cabeça no seu ombro. E assim ficaram até o ponto final. Chegando ali o jovem cutucou os dois para que se levantassem. Eles apenas se mexeram, mas continuaram ali, um entorpecido casal.
- Será que ele vai tentar lembrar como conseguiu esses machucados amanhã? – perguntou uma das garotas que estava com o jovem.
- Espero que não lembre. Dos efeitos do álcool, a amnésia é o melhor.

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